A previdência dos servidores municipais de Boa Vista virou um campo de batalha institucional. Em menos de uma semana, o Tribunal de Contas do Estado de Roraima (TCE-RR) protagonizou duas decisões que, embora relacionadas ao mesmo tema, seguem em direções opostas: de um lado, determinou o aumento da alíquota de contribuição ao PRESSEM para 14%. De outro, suspendeu a tramitação da controversa proposta de reforma do regime, enviada pela prefeitura à Câmara Municipal. O Roraima na Rede teve acesso ao documento no final da tarde desta terça-feira (20).
A primeira medida citada acima veio da conselheira Cilene Salomão, que emitiu uma ordem direta à prefeitura para implementar a nova alíquota no prazo máximo de 120 dias. A exigência é baseada na Emenda Constitucional nº 103, de 2019, que tornou obrigatório o percentual de 14% nos regimes próprios de previdência. A conselheira alertou que a demora pode comprometer o equilíbrio atuarial do sistema, impedir a emissão do Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP) e ainda gerar sanções contra o gestor responsável.
Mas antes mesmo que a reforma mais ampla pudesse avançar, outra decisão do TCE-RR virou o jogo. Após denúncia do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde (SINTRAS), representando 11 entidades sindicais, e outra protocolada pelo vereador Ítalo Otávio (Reputblicanos), o conselheiro Bismarck Dias de Azevedo suspendeu a tramitação do Projeto de Lei Complementar 001/2025, que tratava de uma reformulação estrutural do PRESSEM. A medida veio à tona horas depois da repercussão da denúncia revelada pelo Roraima na Rede.
As duas decisões, ainda que partidas da mesma Corte de Contas, são contraditórias entre si e demonstram a absoluta falta de sintonia entre o pensamento da conselheira Cilene Lago, e do seu colega de tribunal, Bismarck Azevedo. A canetada de Salomão praticamente desmantelou a Recomendação anterior de Azevedo.
As entidades denunciam uma série de irregularidades que vão além da proposta de reforma. Um dos pontos mais graves está no aumento abrupto e mal explicado do déficit atuarial: de R$ 84 milhões em 2021 para mais de R$ 1,5 bilhão em 2023, sem que houvesse mudança significativa no perfil dos servidores ou nas receitas do fundo. O estudo técnico apresentado pela prefeitura foi duramente criticado por utilizar dados defasados e premissas genéricas.
Outros pontos levantaram ainda mais dúvidas: reuniões relâmpago do Conselho do PRESSEM com duração inferior a 40 minutos, remuneradas com até um salário e meio por sessão; concentração obrigatória de investimentos no Banco do Brasil, o que pode limitar os rendimentos do fundo; e autorização para terceirização da gestão financeira e administrativa do regime, o que, segundo os sindicatos, abre brecha para riscos institucionais graves.
A dualidade nas decisões do TCE-RR expõe a tensão entre a necessidade de ajustes técnicos exigidos por normas federais e a urgência de transparência e responsabilidade na gestão local. De um lado, exige-se que a prefeitura aumente a contribuição dos servidores. De outro, a proposta de reforma que justificaria esse ajuste é colocada em xeque por suspeitas de irregularidades.
Enquanto isso, mais de 9 mil servidores seguem sem respostas claras. As entidades sindicais pedem auditoria independente nas contas do PRESSEM e cobram uma manifestação pública do Ministério Público do Estado (MPRR), que recebeu a denúncia formal (SIMP 000021-125/2025), mas ainda não se posicionou.
O futuro da previdência municipal de Boa Vista está em jogo — e o tempo, assim como a paciência dos trabalhadores, começa a se esgotar.
Fonte: Blog do Luiz Valério